quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

NITRADO DE PRATA: RELATO SOBRE O NASCIMENTO DE UM FOTÓGRAFO AMADOR


Fazer uma imagem de um objeto significa extrair todas as suas dimensões, sucessivamente: o peso, a profundidade, o cheiro, o espaço, o tempo, a continuidade e obviamente o sentido. [Jean Baudrillard]


Em novembro fui ajudar um ex-professor e amigo na organização de um bazar com as suas coisas. Calma, ele não virou hippie. O mundo concorda que não precisamos de mais um. O camarada está de mudança para a Austrália. Aposentado e casado com uma australiana cismou que briga de cangurus é melhor que briga de galos. Enfim, resolveu colocar à venda tudo o que não fosse levar. E era muita coisa. Antropólogo adora bugiganga. E aí já viu: é totem pra lá, coleção de selos pra cá, tudo quanto é tipo de coisa que os museus rejeitam. Dos objetos mais inusitados que vi, cito um mapa-múndi [quase do tamanho do mundo mesmo], uma fedorenta coleção de besouros e um colete a prova de balas feito em 1925.

Terminado o serviço, tudo organizado e com etiqueta de preço, o bom maestro se vira para mim e diz, “Pode escolher o que quiser!”. Fiquei muito indeciso entre uma espécie de facão Inca e um tabuleiro de xadrez cujas peças que representavam um duelo “cristãos vs mouros”. Como demorara muito a escolher, o cara sacou do baú uma câmera fotográfica velha e lascou, “Toma logo isso e vaza, você vai gostar”. Fiquei um pouco decepcionado no começo, eu realmente queria o facão Inca [acabei comprando dele mesmo por 10 reais]. O fato era que eu tinha nas mãos uma Canon AE-1 e não sabia nem ao menos como colocar um filme.

A principio, não me interessei muito pela analógica. Gosto muito de uma Nikon “semiprofissional” que tenho e hoje é difícil notar a diferença de qualidade entre uma foto bem tirada por uma câmera digital e a mesma foto feita por uma analógica. Bem, por curiosidade resolvi comprar um filme e testar a danada da câmera. Logo nos primeiros clicks veio aquela sensação de desconforto que já havia esquecido há anos: não se pode ver a foto que tirou e, por conseguinte, o primeiro click já é uma foto e pronto. Não se pode apagar. Isso, aos poucos, vai criando naqueles que se dedicam à fotografia analógica uma espécie de cuidado instintivo ao tirar cada foto. Você começa a se preocupar com o foco, com o ângulo e a velocidade do obturador. Você quer que cada foto saia perfeita, ao invés de trabalhar por “tentativa e erro”, essa técnica tão comum entre os fotógrafos amadores da era digital.

Resumindo, comprei um filme de 36 poses [aliás, para falar de filmes vale uma outra postagem]. Depois de sacar todo o rolo, hora revelar. Decepção. Só se salvaram 17 fotos. Dessas, gostei apenas de umas quatro. Mas entre as quatro, uma em especial me chamou a atenção. 

Câmera: Canon AE-1 / Filme: Kodak Proimage 100

Gostei tanto dessa foto, que decidi investir em mais um rolo de filme. Bom, dessa vez me preparei melhor. Estudei sobre quais filmes deveriam ser usados em cada situação e como colocá-los de maneira correta na câmera. Se da primeira vez havia trabalhado com um filme de 400 asas para fotografar durante o dia, dessa vez escolhi um Kodak Proimage de 100 asas, sabendo que este é próprio para dias ensolarados. Fui ao centro da cidade e saí clicando. Resultado, “salvei” as 36 poses dessa vez. Assim surgiu mais uma paixão/vício na minha vida.

Depois desses primeiros rolos já “queimei” mais uns vinte. Tenho gostado cada vez mais. E não é tão caro quanto se imagina. É possível comprar ótimos filmes a preços módicos no Ebay. E a revelação dos negativos e digitalização negativos não custa mais que 15 reais. Vale muito a pena. Não somente pela fotografia em si, mas por todo processo quase artesanal que ela envolve, desde a escolha do filme até a revelação do negativo. Falando em revelar, já estou estudando maneiras de revelar meus próprios negativos em casa. Não é um processo muito complicado, mas exige algum investimento a mais. Vamos ver até que ponto essa paixão aumenta. 

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Para ver mais algumas fotos, é só visitar minha galeria no Flickr:
http://www.flickr.com/photos/adrianof14/