segunda-feira, 1 de outubro de 2012

À PRIMEIRA VISTA



"Mal vi teu rosto perfeito / E ele reconheceu haver-me feito / Estrago no coração."
Tomás Antônio Gonzaga


Todo mundo já sofreu de “amor à primeira vista”. Isso é mais comum do que parece. Por ser tão instantâneo e inesperado, por não depender de conhecimento prévio ou mesmo apresentação formal, mas sobretudo por ser gratuito e totalmente entregue à causalidade imanente ao tempo. Por isso, por ser algo fora dos planos, amor à primeira vista acontece o tempo todo. 

Amor à primeira vista é como aquela fotografia em que você mirou a paisagem e acertou uma imagem em primeiro plano. É como perder o ônibus. É como o favorito derrotado. O  Mar Vermelho aberto. É como a última música do lado B de um disco parecer mais bonita que todas as outras. É como Diadorim sendo mulher no fim do livro.

Ainda lembro do meu primeiro amor repentino. Devia ter uns 9 ou 10 anos. Estava na escola deitado na grama do bosque, buscando pássaros entre as folhas das árvores com um binóculo de brinquedo, daqueles supostamente aumentam 4x o campo de visão. Olhava distraído, tudo parecendo maior, quando ela apareceu, enorme, na minha frente. Era uma garota comum, tão comum que não me lembro mais da aparência dela, só do nome, Tereza. Perguntou o que eu estava olhando. Eu disse “pássaros”. Ela disse “não, você está me olhando agora”. Era verdade.

A vida é uma sucessão de amores à primeira vista. Você está correndo no Aterro do Flamengo, curtindo seu som e tentando bater seus míseros recordes pessoais e tempo e distância. Aí ela vem [em slow motion, lógico]. Camisa com a capa de um disco dos Smiths, cabelos muito pretos amarrados, tentando mudar a música do iPod enquanto corre. Até aí tudo bem. O problema é que quando ela passa por você, ela te olha e dá um sorriso discreto. Por que, Deus? Aí você a ama pra sempre até o fim daquela corrida. Senta na grama, e espera por ela no gramado. Convida pra uma água de coco. Enfim, não é sobre técnicas de conquista que eu estou falando.

Claro, há vários fatores que influenciam. Seu estado de espírito. O quanto você bebeu. Se você está no meio de “O Amor nos tempos do Cólera”, acabou de ver o último do Wood Allen, ou se tem ouvido Leonard Cohen demais. É bem provável que você esteja mais suscetível ao amor à primeira vista na galeria italiana do Louvre, do que quando em um congresso sobre gestão em Brasília. Mas não há regras. Nada pode garantir que você amará mais à primeira vista as garotas do Café com Letras, na Savassi, do que as coralistas na missa das 19h, em Santa Bárbara. 

Apesar de Veneza, não há uma geografia dos amores à primeira vista. Apesar de Bauman, não há uma sociologia dos amores líquidos e rápidos. As ciências, tão dedicadas a medir, experimentar e calcular hipóteses, ainda não se aproximaram da fórmula geradora do amor instantâneo. Como pode este acontecer tantas vezes, em tantos lugares e com pessoas tão diferentes sem que haja uma regra? Ninguém nunca explicará Romeu e Julieta, Marília e Dirceu, Heloísa e Abelardo, Você e Fulana. Aqui a blasfêmia é permitida: nem Deus ousará saber o motivo de um amor à primeira vista. 

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Pax Tecum Amici.
Até a Próxima!