quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

João, Anita e Dezembros


Honrarei o natal em meu coração e tentarei conservá-lo durante todo o ano.
Charles Dickens

João tinha a profissão de José, era Carpinteiro. Da instransponível oficina nos fundos de casa tirava o sustento da família. Serrote, enxó e martelo eram suas mãos. Sempre cheirava à madeira e cachaça. Era especialista em fazer mesas, armários e portas, mas gostava mesmo de fazer brinquedos para as crianças. Ele se divertia com o riso delas no quintal. Fingia raiva quando a meninada subia no pé-de-laranja, só para não perder o respeito. Suas camisas engomadas, seu paletó de ir à missa no domingo, seu cinto marrom com bainha para o inseparável canivete, o baralho encardido e sua voz mínima no som e máxima na autoridade, eis a mais forte memória coletiva da família.

Anita era Dona de Casa. Assim, maiúscula. Fazia da casa o reino de suas infinitas habilidades. Cuidava de um jardim que parecia crescer pra sempre. Rosas, margaridas, violetas, hortênsias, quase nenhum vaso. Tudo plantando direto na terra, como as plantas gostam. Fazia tricô, crochê e bordado. Gostava de tons marrons para suas peças, acho que porque combina com as peças de madeira talhadas por João. Cozinhava no fogão à lenha, porque não sabia calcular o tempo das quitandas no fogão à gás. Fazia os melhores doces do mundo e não provava nenhum, porque era diabética. Seus vestidos longos, sempre com estampas de flores, seus óculos de lentes grossas e sua doce seriedade cotidiana, formavam a imagem de uma santa, a única que podia rezar com a gente.

Em dezembro, todos vinham para casa abraçar João e Anita. Era quando os móveis e brinquedos de João faziam sentido. Era quando o jardim de Anita ficava mais florido. Aquela inexplicável felicidade de casa cheia. Pais, filhos, netos e algum bisneto. Novena de natal, comidas, histórias e estórias, as de sempre. Tudo tão igual ao ano anterior, tudo tão sincero. Dezembro terminava num domingo de manhã, depois do natal, com as despedias debaixo do pé-de-laranja velho.

Já faz alguns dezembros que João Damasceno Ferreira e Anita Damasceno Lopes, meus queridos avós maternos, se encantaram. Ficou a casa velha. Nela as ferramentas, móveis e brinquedos de João, as flores e bordados de Anita. Em breve estaremos todos lá. Sabemos que os dezembros nunca foram os mesmos sem João e Anita, mas se há dezembros é porque um dia eles estiveram lá.

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Não aprendi ser carpinteiro como João. Não herdei nenhuma habilidade de Anita. Hoje compro os meus móveis e mal sei o período que tenho de regar meus mínimos vasos com cactos do deserto. Aprendi pouco ou quase nada com João e Anita. Mas quando lembro de João martelando na oficina e de Anita assoprando a lenha no fogão, percebo que com eles aprendi o mais importante: tudo que é simples, é mais fácil de amar. A eles, minha gratidão eterna.

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Pax vobiscum amicis,
Boas Festas!