terça-feira, 28 de abril de 2009

LITERATURA E CINEMA NOS TEMPOS DO GPS

bigbrotheriswatchingyou Toda segunda a Folha de São Paulo traz um encarte com matérias do New York Times, considerado por muitos o melhor jornal do mundo. Por ideologia, tenho sérias restrições a tudo que vem dos EUA, mas confesso que a leitura semanal do supracitado encarte, vez por outra, traz gratas surpresas. Ainda ontem, um artigo me chamou muito a atenção, “Que bom se a literatura fosse uma zona livre de celular”, do escritor americano Matt Richtel. Em síntese, o autor defende que a literatura e o cinema andam muito questionados pela chamada era digital. Os autores e diretores (principalmente os de obras de suspense) são constantemente postos contra a parede, mediante a as possibilidades de comunicação que estão abertas a seus personagens. Repare, como é possível prender alguém e o manter incomunicável em uma casa mal assombrada em tempos de celular, gps, wireless…?

Havia um tempo em que na literatura, no cinema ou mesmo na vida real, uma hora de atraso num encontro marcado poderia significar uma gama infinita de possibilidades. Hoje, é quase impossível atrasar sem justificativa. Se alguém perde o ônibus que o levaria a algum encontro, logo manda um torpedo avisando que chegará atrasado.

Agora, imagina se Ulisses tivesse um GPS… uma das falas da Odisséia seria: “Alguém se lembra das coordenadas de Ítaca?”, e pronto, fim da história. Tenho certeza que Homero, não permitira a Ulisses ter um desses, ou pelo menos teria quebrado o dele para que a narrativa se desenvolvesse melhor. E mesmo nosso querido Jason (estou falando do Sexta-feira 13 parte 1, 2...) faria para matar tanta gente sem ser percebido por uma câmera de vigilância?

Autores e diretores tem de se adaptar a seu tempo, mas não podem deixar escapar a magia e os prazeres proporcionados pelo mistério e pelo suspense em meio a questionamentos tecnológicos. Na literatura, no cinema e na vida não se tem de justificar tudo, mesmo com toda a tecnologia ninguém está imune de ser surpreendido, seja pela falta de cobertura do celular ou seja por um parágrafo que nos faz refletir por horas e horas.

Pax tecum amicis,

Até a próxima…

PS: a imagem do post é de autoria de Shepard Fairey, baseada na obra “1984” de George Orwell.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

BREVILÓQUIO DAS SETE PALAVRAS MILAGROSAS

O homem vale tanto quanto o valor que dá a si próprio.
François Rabelais


Vivemos em tempos de crise. A economia em colapso, as relações políticas em ruínas, guerras, fome, aquecimento global e tantos outros elementos componentes do pacotinho de ruindades que nos assaltam, a cada minuto, através dos meios de comunicação. Mas afinal, qual o motivo da crise? Não sei, mas desconfio de alguma coisa. A crise não têm vida própria. Ela existe por que a criamos e damos significados a ela. Na verdade, tempos de parar de transferir os significados das crises que enfrentamos para instâncias míticas que parecem tão distantes de nós. Não é a economia que está em crise, nem ao menos a política. Somos nós, humanos. Fomos nós que criamos a economia e a política, somos nós que fazemos guerra e interferimos no clima. Se assim estamos é por culpa nossa. Que fazer? Bem, se estamos assim é porque deixamos para trás alguns valores que nos unem, em favor de outros tantos que nos separam.
Não vou fazer aqui uma lista comparativa desses valores, mas proponho um milagre social. O milagre da recuperação de sete valores mágicos que acredito como potenciais fatores capazes de nos ajudar a superar a crise na qual nos inserimos e que parece não ter mais saída. Trata-se de uma proposta simbólico-poética, em que por meio de sete palavras (poderiam ser dez, vinte, quinhentas, escolhi o número sete por toda a mitologia que este carrega consigo), aplicadas a nossa vida cotidiana, tentaremos escapar à tristeza da crise rumo à esperança de tempos melhores.

Segue o poema, não se trata de uma fórmula para a mudança, mas de uma descrição poética, em forma de tercetos, do impacto que estas palavras podem significar nos espaços entre um silêncio e outro no nosso cotidiano.


Brevilóquio das sete palavras milagrosas

I – Alegria

Sorriso no espelho
Abraço no meio
Cama no fim do dia

Primeiro desejo
Rara, diáfana, única
Saudade perfeita da eternidade


II – Amor

Amar, mesmo na distância
Apesar do ódio
Inclusive na diferença

Ainda que não ame
Desesperadamente
Até que só reste amor.


III – Doação

Calar a misantropia
Ter menos
Para ser mais

Repartir o ouro
Acender incenso
Espalhar a mirra


IV – Esperança

Cordel do sonho
Berço do futuro
O agora olhando longe

Mitologia pessoal
Real que ainda não é
Outro nome para a fé


V – Fraternidade

Um pedaço de ti
Em cada coisa
E em toda gente

Um pedaço de cada coisa
E de toda gente
Em ti.


VI – Humildade

Chorar a lágrima sentida
Ir, no tempo da partida
Desculpar-se do erro

Pedir a benção,
Abraçar com coragem
Cair, levantar


VII – Ternura

Silêncio que anima
Barulho que acalma
Coração a caminho

Cofre de afetos
Milagre sem mística
Chave do outro


Pax Tecum Amicis

Até a próxima

PS: Na imagem do post, uma versão palestina para o famoso cartaz da campanha presidencial de Barack Obama, onde se lia Hope (esperança) nalgumas versões e Progress (progresso) noutras.

sábado, 11 de abril de 2009

NESTA PÁSCOA, VOARÁS!

Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade, utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo. Ele nasceu para ser mais. (Teilhard de Chardin)


Quando penso na Páscoa apenas uma coisa me vem à mente, ser mais. A Páscoa Cristã é um convite. Tomando o aprendizado de tudo que tivemos no passado (simbolizado pela morte), somos convidados a nos tornarmos melhores no presente (ressurreição).

Ressuscitar é viver de novo, mas não para repetir o que se tinha feito antes. Ressuscitar é viver de novo, para fazer coisas novas. Como se lê na Bíblia, “eis que faço novas todas as coisas” (Ap. 21,5). Ressuscitar é fazer como Paulinho Pedra Azul, pedir licença ao criador para se dedicar à sublime arte de aprender a voar.
Nesta Páscoa, Voarás!

Voarás (Paulinho Pedra Azul) (clique para ouvir a música no youtube)
Todo mundo quer voar/ Nas costas de um beija-flor/ Todo mundo quer viver de amor/Mas nem tudo é só querer/ Todo mundo quer ser rei/ Nas costas de um homem bom/ Todo mundo quer voar além/ Mas é preciso aprender/ Voarás, voarás...
Pax Tecum, Amicis
Até...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

CIÊNCIA, MISTÉRIO E POESIA ALQUÍMICA

Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo. (Guimarães Rosa)

O mistério é aquilo que nos ataca em nossa fragilidade maior, a de não-saber. O homo sapiens não suporta o desconhecido, precisa vencê-lo a todo custo, desvelá-lo, colocá-lo a mostra. Por isto existe a ciência. A ciência moderna é nossa tentativa de dar resposta aos mistérios da existência. Porém, houve uma época em que o mistério tinha vida própria, ele se sustentava por si mesmo, não hermes_mercurius_trismegistus_siena_cathedral precisava ser desvelado a todo custo. Era uma época em que a condição humana se relacionava com o desconhecido de tal forma que a própria essência do humano era o próprio mistério. Não faz muito tempo, algum pensador, do qual não me recordo o nome, afirmou: “ser humano é deixar-se fascinar pelo mistério”. Nessa época em que humano e mistério caminhavam juntos, também havia uma corrente da ciência que escapava aos padrões atuais e se fundamentava exatamente no mistério, a alquimia. As secretas e míticas transmutações minerais realizadas por Paracelso, Flamel, Bacon, Hermes Trismegistrus, entre tantos outros, até hoje, povoam o imaginário coletivo e inspiram obras literárias e artísticas.

Mas nem só de experimentação viviam os alquimistas. Alguns lançaram obras literárias em diversos gêneros, desde o epistolário até a escrita em túmulos. Tendo acesso à obra “Mysterium Coniunctionis” do psicanalista suíço C. G. Jung, percebi que a atividade poética alquímica é vasta e de muita qualidade. Os textos acompanham as convicções dos autores que transmutaram em poemas os paradoxos que compunham seu segredoso trabalho, dando vida aos mistérios que os acompanharam até a morte. Seguem alguns poemas alquímicos.

Epitáfio em um Túmulo de Bolonha

(Publicado pela primeira vez na obra Symbola Aureae Mensae, 1617, p.169)

Lucius Agatho Priscius

Não é nem marido, nem amante, nem parente

Não está triste, nem se alegra

Isto não é monumento nem pirâmide, nem sepulcro.

Ele não sabe a quem edificou (e o quê).

(Isto é um sepulcro que dentro não tem cadáver.

Isto é um cadáver que não tem um sepulcro por fora.

Mas cadáver e sepulcro são a mesma coisa).

No poema-epitáfio acima, o autor se posiciona mediante a morte (que é o fim de todos os mistérios) sem a soberba humana de se achar um ser privilegiado pelas “forças universais”. Ele Se coloca como parte do universo, e não como um ser fora dele. No mesmo sentido temos um epigrama do século XV, sem autor conhecido, compilado por H. Zimmer em 1944:

Não Sou homem – também não sou Deus nem duende,

Nem brâmane, guerreiro, cidadão ou sudra,

Nem discípulo de brâmane, nem pai de família, nem eremita na selva

Também não sou Nenhum peregrino a mendigar,

Minha essência é ser alguém que desperta para o que lhe é próprio.

Em outras palavras, por mais o homem nunca pode ser considerado um ser acabado, pronto. Somos o devir, um constante vir-a-ser ou a eterna busca pelo que há de singular em nós.

Para encerrar, ficam duas frases de autores modernos que servem para medir, acredito, nossa relação, ainda forte, com as concepções alquímicas e sua proposta de constante mutação, segredo e mistério.

Dentro de nós existe uma coisa que não tem nome, esta coisa é o que somos” (José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira)

O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão.“ (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

Pax tecum amicis,

Até a próxima.

PS: Na imagem do post, retirada de um dos afrescos (ou painéis) da Catedral de Siena, temos Hermes Trismegistrus e seu mais famoso texto alquímico, a “Tábua Esmeralda”.