segunda-feira, 23 de novembro de 2009

A LITERATURA E SEUS “PERSONA-GENTES”

"Madame Boavary sou eu". (Gustave Flaubert)

Donde surge um Dom Quixote, um Geraldo Viramundo ou uma Dona Benta? Aladim, Sherazade e Diadorim seriam fruto único e exclusivo do intelecto dos autores que os imortalizaram? Ou será que Holden Caufield é apenas um adolescente comum que simplesmente foi transportado para as páginas de um livro?

Nada é criado do nada. Segundo a máxima de Lavoisier, “no universo nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Nem mesmo a literatura pode escapar a isso. Apesar do universo literário aparentemente ser primo fruto do gênio imaginativo dos autores, recebendo o nome de ficção nas prateleiras das livrarias e bibliotecas, não podemos esquecer de que todo texto de um autor e, consequentemente, seus personagens são parte de um universo maior do que o próprio autor. Toda pessoa é constantemente encharcada por sua época, pelas pessoas com quem convive e pelas luzes e sombras que compõem sua existência. Os autores não são diferentes. Suas obras são reflexos das ideias de sua época, das pessoas com quem tomaram parte, das viagens que fizeram e do estado de espírito pelo qual passaram pela vida. A diferença entre a transformação literária e a transformação literária reside na imaginação. O universo transforma matéria bruta em matéria bruta. O homem, por meio do intelecto é capaz de lapidar. O personagens literários, são pessoas lapidadas.

JoaquimAssim, Guimarães Rosa viajou o Sertão de Minas com um lápis e uma caderneta na mão para colher, como que numa lavoura de palavras, expressões, trejeitos e a sabedoria dos sertanejos. Nos últimos anos, tenho tido a oportunidade de viajar pelo Sertão periodicamente por causa do meu trabalho. É incrível, todo mundo no sertão carrega em si a alcunha de um personagem possível. O mérito de um Guimarães Rosa reside exatamente no reconhecimento de que os personagens literários, antes de frequentarem as páginas das novelas e romances, estão aí no mundo habitando as histórias que esperam para ser contadas.

Nem é preciso ir muito longe para se descobrir um personagem. Gustave Flaubert, quando questionado sobre sua personagem mais famosa, não hesitou em dizer: “Madame Bovary sou eu!”. Antes de se imortalizar nas páginas do “Grande Mentecapto”, Geraldo Viramundo já fazia parte do imaginário popular mineiro há décadas. Ele já estava ali, vivo no imaginário popular, pedindo para ser escrito. Há tantos personagens esperando as páginas literárias. Quantas ficções a vida de um Profeta Gentileza não seria capaz de inspirar? Quer escrever um romance sobre a máfia? Por que não convidar nosso Fernandinho Beira-Mar?

Os personagens estão aí, flutuando pelo cotidiano, vestidos de realidade. Ao escritor resta acolhê-los, travesti-los de seu imaginário, jogando-lhes o “pozinho mágico” que os transformará em literatura. Porque a literatura vem da realidade, mas ela nem de longe é a própria realidade. Literatura é o real como poderia ser, nunca como é de verdade.

Para terminar, segue um videozinho [vida longa ao youtube!] do nosso querido e verdadeiro Manuelzão, personagem mais pitoresco de nossa literatura, cujas cenas da vida ganharam luz nova diante do olhar atento do nosso maior criador de personagens. Aliás Guimarães Rosa dizia que não tinha personagens, e sim “pesonagentes”.



Pax tecum vobiscum

Abraço, e até a próxima.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

LEVANTANDO DO CHÃO

É claro que a vida é boa
e a alegria, a única indizível emoção.
(...) tenho tudo para ser feliz.
Mas acontece que sou triste.
*
"Dialética", Vinícius de Moraes
***
A vida é feita de alegrias e tristezas, não é segredo. Ninguém pode escapar a esta verdade. A felicidade e o sofrimento nos ajudam em nosso processo de humanização, por que é exatamente por estes sentimentos que nos diferenciamos da massa dos outros seres viventes e nos diferenciamos uns dos outros também. Cada um lida com sua alegria e com sua tristeza de formas diferentes. Tomemos a tristeza, ela que, mormente, tende a nos comover mais – tanto a dor nossa, quanto a dos outros sempre nos sensibiliza alguns palmos além do que qualquer alegria. Isso ocorre, talvez, pelo fato de que entendemos a alegria e a felicidade como estados em que desejamos permanecer, nos preparamos o tempo todo para viver em constante alegria. Nem sempre dá certo. A dor nos comove mais porque ela é fruto do inesperado, do não planejado, do erro, a tristeza é sempre um estado do qual desejamos escapar.

Cada um lida com sua dor e com sua tristeza de maneira diferente. Há o caso clássico daqueles que se entregam às drogas, sejam lícitas ou ilícitas, na tentativa de escapar muito rapidamente da realidade por meio de uma ilusão passageira, da qual vai se sentir cada vez mais falta e, para tantos, significa um caminho sem volta. Existem também aqueles que buscam alento no ombro de amigos, choram as dores, pedem conselhos (nunca os acolhem), expurgam seus demônios e no fim acabam por expurgar os demônios alheios também – porque todo mundo tem os seus, até o amigo que agora te consola. Outra classe é a dos solitários. Estes são os que mediante ao sofrimento, preferem volver às suas próprias entranhas, buscando na solidão (ou na companhia de si mesmo) uma resposta à sua dor.

Ainda há centenas de outras formas de lidar com a dor. Ler, escrever, dançar, jogar futebol, pular de um abismo, subir uma montanha, ir a uma festa, dar uma festa, cantar, viajar, rezar, acertar a sena, dizer “oi”, ouvir “oi”, soltar pipa, dirigir a 200 por hora... na verdade são milhares as formas de escapar do sofrimento, porém, salvo uma ou outra exceção, todas as formas são variações das três primeiras citadas. Alucinação, consolo e solidão.

A literatura, as artes plásticas, a música, a ciência e tantos outros campos de ação humano, devem algumas de suas maiores realizações à dor (seja na tentativa de descrevê-la ou na tentativa humana de escapar dela). O próprio título desta postagem é retirado de uma obra cujo tema é a dor de todo um povo, oprimido por uma minoria. “Levantando do chão” é um clássico do português Saramago.

Quando o amor era a causa da sofrimento (quase todos os sofrimentos são por amor) já tivemos clássicos literários como “O amor nos tempos do cólera”, do colombiano Gabriel Garcia Marquez; telas magníficas como “O ciúme” do norueguês Edvard Munch; e mesmo a arquitetura já produziu maravilhas planejadas em meio a lágrimas e soluços de dor, como o Taj Mahal na Índia e algumas das Pirâmides do Egito. Eis a questão vital: o que faremos de nossa dor? Nos embriagaremos ou construiremos palácios?

Para encerar, um trecho do poema “If” (em uma tradução minha, bem alternativa) de autoria do poeta britânico nascido na Índia Rudyard Kipling (1865-1936).

Se você é capaz de arriscar num único lance
Tudo o que ganhou em toda a sua vida, e perder...
E, ao perder, sem cair no planto ou em lamentos,
Resignado, voltar ao ponto de partida;
Se você é capaz de forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta uma vontade em você que ainda ordena: "Persiste!"


Pax vobiscum amicis.
Até Breve.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A CURA PELA ARTE

Eu não pinto coisas. Pinto a diferença entre coisas.

Henry Matisse



Na Folha de São Paulo de ontem (30/09/2009) foi publicado um dos mais impressionantes textos publicitários que já li. Uma página inteira, do caderno Ilustrada, nos convidando para conferir a exposição das obras do pintor francês Henry Matisse, na Pinacoteca do Estado. Mais do que uma simples propaganda, o texto é uma reflexão sobre a vida contemporânea e sua rispidez, secura e feiúra. Vivemos em um mundo que se organiza de tal forma a ser o contrário da arte, caracterizada principalmente pela leveza, liquidez e beleza. O texto da propaganda é mais do que um convite a uma exposição específica, é um convite a visitarmos à arte e nos relacionarmos por meio dela. Porque uma conversa sobre os quadros de Matisse, Picasso, Van Gogh, Portinari ou Guingnard deveria ser, cotidianamente, assunto nosso tanto quanto dinheiro, trabalho, sexo e futebol.
Segue o texto, na íntegra. Acredito que todos nós, os massacrados pela insensatez das impossíveis grandes cidades, nos identificamos com várias das situações descritas pelo anônimo autor.

***

Aos que estão cercados de cinza por todos os lados.
Aos que estão rodeados de computadores, esverdeando dentro de escritórios.
Aos que estão parados, ladeados por carros num trânsito dos infernos.
Aos que estão encaixotados dentro de elevadores.
Aos que estão isolados por paredes, curando-se de gripe suína.
Aos que estão espremidos dentro de conduções.
Aos que estão cercados de carteiras, focados numa grande lousa.
Aos que estão desaparecendo dentro de uma fina garoa.
Aos que estão sendo consumidos por sofás.
Aos que estão completamente cercados pela pressa.
Aos que estão totalmente possuídos por multiplicar dinheiro.
Aos que estão rodeados por santos e rezas.
Aos que estão absorvidos pelo desejo de vingança.
Aos que estão cercados por recém-nascidos berrando em suas pequenas camas de acrílico.
Aos que estão no meio de uma confusão que não lhes diz respeito.
Aos que estão cercados por comprimidos.
Aos que estão rodeados por assombros.
Aos que estão dominados pela fúria.
Aos que estão rodeados de enormes vitrais com um rodinho e sabão.
Aos que estão comprando a idéia de uma sociedade de consumo.
Aos que estão observando os fumantes consumindo suas ampolas fora de estabelecimentos.
Aos que estão tensos numa pequena sala que antecede a entrevista de emprego.
Aos que estão cercados de tristeza e de entes queridos num cemitério.
Aos que estão rodeados de madames mal-educadas numa lavanderia.
Aos que estão em seus casulos, protegidos por enormes cercas elétricas.
Aos que estão com a cabeça em parafuso.
Aos que estão prestes a fazer um pedido de casamento.
Aos que estão rodeados por advogados numa audiência de separação.
Aos que estão cobertos por jornais, dormindo em bancos.
Aos que estão no centro de uma roda de contas a pagar.
Aos que estão tendo seus pulmões consumidos por gases de álcool e gasolina nos postos das esquinas.
Aos que estão desistindo do convívio humano e se cercando de animais de estimação.
Aos que estão rodeados do prazer de dizer que estão faltando alguns documentos.
Aos que estão cobertos de medo do pânico.
Aos que estão querendo trocar de sexo.
Aos que estão tomados por tristes lembranças da infância.
Aos que estão sobrecarregados pelo esforço de puxar carroças pelas ruas.
Aos que estão rodeados de enormes labaredas, tentando contê-las com mangueiras.
Aos que estão cercados e sendo consumidos pelo cotidiano tolo.
Aos que estão cercados de segredos.
Aos que estão cercados pelo sentimento de culpa.
Aos que estão no centro de uma importante questão.
Aos que estão cobertos de graxa embaixo dos eixos dos veículos.
Aos que estão cercados de tapinhas nas costas.
Aos que estão acabrunhados porque levaram um pé na bunda.
Aos que estão acobertados por um disfarce.
Aos que estão cercados de teorias.
Aos que estão envoltos em mentiras.
Aos que estão cercados de bisturis, sendo abertos em mesas cirúrgicas.
Aos que estão atarefados com os afazeres domésticos.
Aos que estão cercados por gerúndios em telefones.
Aos que estão rodeados por máquinas barulhentas, perdendo a audição.
Aos que estão sedentos por sentir algo.
Aos que estão cercados por familiares, lutando contra um vício.
Aos que estão certos de não crer em nada.
Aos que estão construindo um corpo escultural e esquecendo da mente.
Aos que estão cheios de não me toques.
Aos que estão perdendo a razão.
Aos que estão cercados por um império, perdendo a noção de valores.
Aos que estão aqui somente para criticar.
Aos que estão consumidos pelo desejo de voar.
Aos que estão sucumbindo à corrupção.
Aos que estão sendo corroídos pela depressão.

A todos vocês, a luz e as cores de Matisse.

A todos vocês e mais aos esquecidos.

***
Primeira exposição individual de Matisse no Brasil
Pinacoteca do Estado de São Paulo
Até 1º de novembro de 2009

***

Pax Tecum amicis

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O QUE SABEMOS DE NÓS MESMOS?

Desde nossa gênese até o momento crepuscular de nossa vida, nos deparamos com o incrível enigma que representamos para nós mesmos. Há todo momento somos chamados a dar resposta para algo ao longo de nossa existência. “O que você pretende ser quando crescer?”, “Quer namorar comigo?”, “Onde e como você quer estar daqui há cinco anos?”, “Quer ter filhos? Quantos?”, “Vai fazer mestrado? Doutorado?”, “Deus existe?”, “Existe vida após a morte?”...

Passamos metade da nossa existência fazendo perguntas, e a outra metade tentando respondê-las. Porém há quem passa toda a vida sem se perguntar, com sinceridade, nem ao menos uma vez: “Quem sou eu?”. Esta é a maior de todas as questões. Se eu souber quem sou eu no mundo, todas as outras respostas virão com maior facilidade. Penso nisso todo dia. Ainda não sei quem sou. Mas acredito no que dizem por aí há séculos, “o caminho já é chegar”, ou seja, o fato de tentar responder já é a resposta acontecendo. A cada dia descubro um pouco mais de mim.





A seguir, algumas boas frases produzidas pela humanidade quando alguns dos seus resolveram pensar um pouco sobre si mesmos:


Conhece-te a ti mesmo. (Sócrates)
***
Note-se e medite-se. Para mim mesmo, sou anônimo; o mais fundo dos meus pensamentos não entende minhas palavras; só sabemos de nós mesmos com muita confusão. (Guimarães Rosa)
***
Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos (José Saramago)
***
Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer - eu sou eu? (Fernando Pessoa)
***
Não seja o de hoje.
Não suspires por ontens....
Não queiras ser o de amanhã.
Faze-te sem limites no tempo. (Cecília Meirelles)
***
(...)só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentarcolonizarcivilizarhumanizaro homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver. (Carlos Drummond de Andrade)
***
O homem está sempre mais descontente com os outros quando se acha menos contente consigo próprio. (Henri Amiel)
***
A missão suprema do homem é saber o que precisa para ser homem. (Immanuel Kant)
***
O homem é a criatura que não pode sair de si, que só conhece os outros em si, e, dizendo o contrário, mente. (Marcel Proust)
***
Do lugar onde estou já fui embora. (Manoel de Barros)

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Pax tecum, amicis
Até a próxima!

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

POEMA DO ATO FOTOGRÁFICO

"E o suicida contentou-se em apenas rasgar sua fotografia." (Jules Renard)

DSC01611

A perfeição sonhada num instante
Eis a fotografia, nosso sólido reflexo
Imagem onírica que nos escapa

Pessoas, animais, paisagens
Todos em sua maior beleza, intactos
Vivendo a inércia do melhor ângulo

Fica sempre uma mão que acena
Um abraço infinito e um beijo tácito
A vida inteira condensada num álbum

E uma breve certeza atinge o poeta
Todos desejamos ser, para sempre
Aquele que somos em nossa melhor foto

***

Pax tecum amicis

Abraço, até a próxima

Adriano

Foto: "A sesta do cão sertanejo", por Thaís Bittencourt

sexta-feira, 29 de maio de 2009

PARA BELO HORIZONTE, COM CARINHO

“Belo Horizonte tem um visgo. Comigo, pelo menos, era assim: me apaixonava por um raiozinho de sol, um ventinho da avenida João Pinheiro, uma cicatriz num banco da Praça da Liberdade, pelas folhas secas da rua Alagoas, por umas iniciais na calçada da rua Sergipe, pela paz de certo quarteirão espichado ao sol de três da tarde, com o preguiçoso cocó-ri-có de uma galinha mineiríssima. Tudo são motivos para não mudar porque tudo são motivos de amor. Mas a gente muda e passa a amar outras coisas, sem esquecer as antigas.”
(Carlos Drummond de Andrade)


Belo Horizonte, quanta alegria tenho em te visitar. Quando subo a Praça do Papa e te vejo quase inteira, sinto uma emoção maior. A mesma que um filho sente, depois de anos afastado, ao avistar a casa de sua infância. Minha infância não te conheceu, foi menino em cidade pequena, a não muito distante Santa Bárbara, mas se minha infância te reconhece, querida Belo Horizonte, é porque você nunca perdeu sua vocação de roça. Lembra quando você era apenas um arraial? Você era conhecida Curral Del’Rey. Por que trocaram seu nome? Mas até que não é mal chamar-se Belo Horizonte.


Um dia decidiram que você seria Capital do Estado. Ouro Preto tinha muita marca do império português para o gosto dos republicanos mineiros. Uma Minas Gerais moderna, não caberia ali, era tanta história e estória acumulada. A capital tinha de mudar. Para onde?


Fico imaginando quando aqueles homens de finos bigodes, roupas alinhadas e sapatos brilhosos pisaram sua terra pela primeira vez. Aposto que meu conterrâneo, Afonso Pena, deve ter quase desistido de você. Todo aquele seu mato, aquela lama dos antigos brejos que beiravam a Serra do Curral, tudo aquilo devem ter causado uma péssima impressão naquele homem de idéias arrojadas e coração generoso e formado no Caraça. Dizem que ele quase desistiu, mas resolveu subir um pouco da Serra, quando pisou a terra que agora piso e te viu do alto, se apaixonou por ti. Afonso foi o primeiro apaixonado, depois dele tantos outros. Aarão Reis, Bias Fortes, Drummond, Olegário Maciel, Greta Garbo (que certa vez veio se esconder aqui), Juscelino, Célio de Castro, tantos, tantos. Nós todos que subimos e te olhamos do alto.


Você é a síntese do espírito de Minas. Quem nunca sentiu aquele ímpeto revolucionário que corria nas veias dos Emboabas e dos Inconfidentes, ao passear pela Praça da Liberdade? Poderá algum mineiro não recordar sua terrinha no interior, ao bater de longe a vista na Serra do Curral? Essa serra nos dá uma sensação de proteção tão grande. Somos povo desconfiado, não muito afeito a se mostrar, e estar rodeado por esta nossa querida serra nos faz bem, cria a sensação de que estamos protegidos e de que nada de mal poderá acontecer para quem vive aqui. A serra nos ajuda a guardar nossos segredos.


Tanta coisa pra dizer, tanta saudade acumulada querendo dizer algo. Mas mineiro nunca conta tudo. Sempre fica um pouquinho escondido, uns breves mistérios que a gente se permite. E é esse mistério que todo mundo leva quando se despede de você, querida Beagá.








Pax Tecum amicis




* A foto da postagem foi tirada ontem, do telhado da casa onde estou hospedado, no Bairro Jaraguá. A Música do vídeo é da banda belorizontina Tianástácia.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A "ROSA NOTURNA" QUE BROTOU NO LIMBO

Falta-me tudo, enfim, nesta agonia;
só não me falta esta saudade imensa
que é meu sangue e meu pão de cada dia!
(Orlando Cavalcanti)

Orlando Cavalcanti é mais um daqueles grandes poetas que não tem vasta biografia na Wikipédia, mas merecia. Em 2010, alguns poucos estudiosos da literatura farão memória de seu centenário. Não sairá um caderno especial sobre ele na Folha de São Paulo, talvez o Estado de Minas, jornal ao qual dedicou boa parte de sua vida profissional, imprima uma pequena nota. Nada mais que isso.
O poeta nascido em Formiga, no sul de Minas, tem vários motivos para frequentar o estado límbico de esquecimento que a memória coletiva nacional costuma reservar aos que não são (foram) incensados pela mídia. Aqui destacamos dois. O primeiro diz respeito à sua pouca produção literária, sua obra resume-me a dois volumes esgotados há décadas no mercado das letras, Os Insurrectos (1944) e Rosa Noturna (1955). Morto em 1982, Cavalcanti dedicou a maior parte de sua produção em letras ao jornalismo e ao ensaio crítico, dando a entender que sua poesia era quase que um passatempo, e a história, salvo raríssimas exceções, não perdoa os poetas de ocasião. O segundo é menos objetivo, porém plausível, o fato de Cavalcanti não ter nascido naquele espaço mineiro que Affonso Ávila nomeou “Ilha Barroca”, ou seja, aquele espaço poético-epírito-simbólico das Minas Gerais dos antigos ciclos do ouro e do diamante, fez com que sua poesia estivesse mais ao estilo de um Vicente de Carvalho, poeta plasmado ao modo paulista, rígido na forma e no pensamento, do que próxima de seus contemporâneos mineiros como Henriqueta Lisboa, Drummond e Murilo Mendes, poetas cultivados sob a herança comum dos cantos nas igrejas barrocas, das explosões nas minas de minério e da força que sobrou ao espírito centro-mineiro após a guerra dos Emboabas. O estilo do nosso Orlando estava próximo demais de uma Minas que não lhe pertencia e muito longe de uma São Paulo que não lhe conheceu.


Da vida me desiludo
Ao ver um contraste assim:
Por que você que tem tudo na vida
Não tem saudades de mim?


Seu livro de maior destaque, Rosa Noturna, assemelha-se a uma compilação de poemas escritos ao longo da vida, não contém uma linha de ação poética clara, são sonetos, trovas, e poemas de verso livre organizados com o cuidado de uma antologia. Apesar de ter sido lançado no período áureo da poesia nacional, no tempo em que o modernismo já tomava ares de antigo e o pós-modernismo ainda estava por ganhar um corpo que o assim definisse, esta Rosa Noturna de Orlando Cavalcanti insurgiu como uma espécie de elo perdido do romantismo, que se findara meio século antes de seu aparecimento. Talvez seja esta a maior virtude da Rosa Noturna, o de ser um farol romântico em meio ao lusco-fusco que é comum a todo período transitório. Encerramos aqui, na esperança de trazer alguma luz à obra deste nosso outro poeta obscurecido, e que o soneto “Desalento” nos ajude nessa empresa.

Falta-me tudo agora, falta a crença
no que viria em halos de esplendor.
Falta o clarão da lâmpada suspensa
iluminando os meus serões de amor.

Faltam risos e afagos, recompensa
à brandura de seda do pastor.
Mãos que colheram lírios de Florença
já não podem colher nenhuma flor.

Falta-me a luz dos olhos, refletida
ao suave encantamento da presença
da vida que foi sombra de outra vida...

Falta-me tudo, enfim, nesta agonia;
só não me falta esta saudade imensa
que é meu sangue e meu pão de cada dia!


Pax Tecum Amicis
Até.
***
A imagem do post (Eleven A.M., 1926) é de autoria do pintor americano Edward Hopper, conhecido como "o pintor da solidão urbana". Esta moça nua, olhando com certa melancolia pela janela, é a melhor imagem que encontrei para os últimos versos do poema Desalento, "falta-me tudo, enfim, nesta agonia...".

terça-feira, 28 de abril de 2009

LITERATURA E CINEMA NOS TEMPOS DO GPS

bigbrotheriswatchingyou Toda segunda a Folha de São Paulo traz um encarte com matérias do New York Times, considerado por muitos o melhor jornal do mundo. Por ideologia, tenho sérias restrições a tudo que vem dos EUA, mas confesso que a leitura semanal do supracitado encarte, vez por outra, traz gratas surpresas. Ainda ontem, um artigo me chamou muito a atenção, “Que bom se a literatura fosse uma zona livre de celular”, do escritor americano Matt Richtel. Em síntese, o autor defende que a literatura e o cinema andam muito questionados pela chamada era digital. Os autores e diretores (principalmente os de obras de suspense) são constantemente postos contra a parede, mediante a as possibilidades de comunicação que estão abertas a seus personagens. Repare, como é possível prender alguém e o manter incomunicável em uma casa mal assombrada em tempos de celular, gps, wireless…?

Havia um tempo em que na literatura, no cinema ou mesmo na vida real, uma hora de atraso num encontro marcado poderia significar uma gama infinita de possibilidades. Hoje, é quase impossível atrasar sem justificativa. Se alguém perde o ônibus que o levaria a algum encontro, logo manda um torpedo avisando que chegará atrasado.

Agora, imagina se Ulisses tivesse um GPS… uma das falas da Odisséia seria: “Alguém se lembra das coordenadas de Ítaca?”, e pronto, fim da história. Tenho certeza que Homero, não permitira a Ulisses ter um desses, ou pelo menos teria quebrado o dele para que a narrativa se desenvolvesse melhor. E mesmo nosso querido Jason (estou falando do Sexta-feira 13 parte 1, 2...) faria para matar tanta gente sem ser percebido por uma câmera de vigilância?

Autores e diretores tem de se adaptar a seu tempo, mas não podem deixar escapar a magia e os prazeres proporcionados pelo mistério e pelo suspense em meio a questionamentos tecnológicos. Na literatura, no cinema e na vida não se tem de justificar tudo, mesmo com toda a tecnologia ninguém está imune de ser surpreendido, seja pela falta de cobertura do celular ou seja por um parágrafo que nos faz refletir por horas e horas.

Pax tecum amicis,

Até a próxima…

PS: a imagem do post é de autoria de Shepard Fairey, baseada na obra “1984” de George Orwell.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

BREVILÓQUIO DAS SETE PALAVRAS MILAGROSAS

O homem vale tanto quanto o valor que dá a si próprio.
François Rabelais


Vivemos em tempos de crise. A economia em colapso, as relações políticas em ruínas, guerras, fome, aquecimento global e tantos outros elementos componentes do pacotinho de ruindades que nos assaltam, a cada minuto, através dos meios de comunicação. Mas afinal, qual o motivo da crise? Não sei, mas desconfio de alguma coisa. A crise não têm vida própria. Ela existe por que a criamos e damos significados a ela. Na verdade, tempos de parar de transferir os significados das crises que enfrentamos para instâncias míticas que parecem tão distantes de nós. Não é a economia que está em crise, nem ao menos a política. Somos nós, humanos. Fomos nós que criamos a economia e a política, somos nós que fazemos guerra e interferimos no clima. Se assim estamos é por culpa nossa. Que fazer? Bem, se estamos assim é porque deixamos para trás alguns valores que nos unem, em favor de outros tantos que nos separam.
Não vou fazer aqui uma lista comparativa desses valores, mas proponho um milagre social. O milagre da recuperação de sete valores mágicos que acredito como potenciais fatores capazes de nos ajudar a superar a crise na qual nos inserimos e que parece não ter mais saída. Trata-se de uma proposta simbólico-poética, em que por meio de sete palavras (poderiam ser dez, vinte, quinhentas, escolhi o número sete por toda a mitologia que este carrega consigo), aplicadas a nossa vida cotidiana, tentaremos escapar à tristeza da crise rumo à esperança de tempos melhores.

Segue o poema, não se trata de uma fórmula para a mudança, mas de uma descrição poética, em forma de tercetos, do impacto que estas palavras podem significar nos espaços entre um silêncio e outro no nosso cotidiano.


Brevilóquio das sete palavras milagrosas

I – Alegria

Sorriso no espelho
Abraço no meio
Cama no fim do dia

Primeiro desejo
Rara, diáfana, única
Saudade perfeita da eternidade


II – Amor

Amar, mesmo na distância
Apesar do ódio
Inclusive na diferença

Ainda que não ame
Desesperadamente
Até que só reste amor.


III – Doação

Calar a misantropia
Ter menos
Para ser mais

Repartir o ouro
Acender incenso
Espalhar a mirra


IV – Esperança

Cordel do sonho
Berço do futuro
O agora olhando longe

Mitologia pessoal
Real que ainda não é
Outro nome para a fé


V – Fraternidade

Um pedaço de ti
Em cada coisa
E em toda gente

Um pedaço de cada coisa
E de toda gente
Em ti.


VI – Humildade

Chorar a lágrima sentida
Ir, no tempo da partida
Desculpar-se do erro

Pedir a benção,
Abraçar com coragem
Cair, levantar


VII – Ternura

Silêncio que anima
Barulho que acalma
Coração a caminho

Cofre de afetos
Milagre sem mística
Chave do outro


Pax Tecum Amicis

Até a próxima

PS: Na imagem do post, uma versão palestina para o famoso cartaz da campanha presidencial de Barack Obama, onde se lia Hope (esperança) nalgumas versões e Progress (progresso) noutras.

sábado, 11 de abril de 2009

NESTA PÁSCOA, VOARÁS!

Algum dia, quando tivermos dominado os ventos, as ondas, as marés e a gravidade, utilizaremos as energias do amor. Então, pela segunda vez na história do mundo, o homem descobrirá o fogo. Ele nasceu para ser mais. (Teilhard de Chardin)


Quando penso na Páscoa apenas uma coisa me vem à mente, ser mais. A Páscoa Cristã é um convite. Tomando o aprendizado de tudo que tivemos no passado (simbolizado pela morte), somos convidados a nos tornarmos melhores no presente (ressurreição).

Ressuscitar é viver de novo, mas não para repetir o que se tinha feito antes. Ressuscitar é viver de novo, para fazer coisas novas. Como se lê na Bíblia, “eis que faço novas todas as coisas” (Ap. 21,5). Ressuscitar é fazer como Paulinho Pedra Azul, pedir licença ao criador para se dedicar à sublime arte de aprender a voar.
Nesta Páscoa, Voarás!

Voarás (Paulinho Pedra Azul) (clique para ouvir a música no youtube)
Todo mundo quer voar/ Nas costas de um beija-flor/ Todo mundo quer viver de amor/Mas nem tudo é só querer/ Todo mundo quer ser rei/ Nas costas de um homem bom/ Todo mundo quer voar além/ Mas é preciso aprender/ Voarás, voarás...
Pax Tecum, Amicis
Até...

segunda-feira, 6 de abril de 2009

CIÊNCIA, MISTÉRIO E POESIA ALQUÍMICA

Tudo, aliás, é a ponta de um mistério, inclusive os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo. (Guimarães Rosa)

O mistério é aquilo que nos ataca em nossa fragilidade maior, a de não-saber. O homo sapiens não suporta o desconhecido, precisa vencê-lo a todo custo, desvelá-lo, colocá-lo a mostra. Por isto existe a ciência. A ciência moderna é nossa tentativa de dar resposta aos mistérios da existência. Porém, houve uma época em que o mistério tinha vida própria, ele se sustentava por si mesmo, não hermes_mercurius_trismegistus_siena_cathedral precisava ser desvelado a todo custo. Era uma época em que a condição humana se relacionava com o desconhecido de tal forma que a própria essência do humano era o próprio mistério. Não faz muito tempo, algum pensador, do qual não me recordo o nome, afirmou: “ser humano é deixar-se fascinar pelo mistério”. Nessa época em que humano e mistério caminhavam juntos, também havia uma corrente da ciência que escapava aos padrões atuais e se fundamentava exatamente no mistério, a alquimia. As secretas e míticas transmutações minerais realizadas por Paracelso, Flamel, Bacon, Hermes Trismegistrus, entre tantos outros, até hoje, povoam o imaginário coletivo e inspiram obras literárias e artísticas.

Mas nem só de experimentação viviam os alquimistas. Alguns lançaram obras literárias em diversos gêneros, desde o epistolário até a escrita em túmulos. Tendo acesso à obra “Mysterium Coniunctionis” do psicanalista suíço C. G. Jung, percebi que a atividade poética alquímica é vasta e de muita qualidade. Os textos acompanham as convicções dos autores que transmutaram em poemas os paradoxos que compunham seu segredoso trabalho, dando vida aos mistérios que os acompanharam até a morte. Seguem alguns poemas alquímicos.

Epitáfio em um Túmulo de Bolonha

(Publicado pela primeira vez na obra Symbola Aureae Mensae, 1617, p.169)

Lucius Agatho Priscius

Não é nem marido, nem amante, nem parente

Não está triste, nem se alegra

Isto não é monumento nem pirâmide, nem sepulcro.

Ele não sabe a quem edificou (e o quê).

(Isto é um sepulcro que dentro não tem cadáver.

Isto é um cadáver que não tem um sepulcro por fora.

Mas cadáver e sepulcro são a mesma coisa).

No poema-epitáfio acima, o autor se posiciona mediante a morte (que é o fim de todos os mistérios) sem a soberba humana de se achar um ser privilegiado pelas “forças universais”. Ele Se coloca como parte do universo, e não como um ser fora dele. No mesmo sentido temos um epigrama do século XV, sem autor conhecido, compilado por H. Zimmer em 1944:

Não Sou homem – também não sou Deus nem duende,

Nem brâmane, guerreiro, cidadão ou sudra,

Nem discípulo de brâmane, nem pai de família, nem eremita na selva

Também não sou Nenhum peregrino a mendigar,

Minha essência é ser alguém que desperta para o que lhe é próprio.

Em outras palavras, por mais o homem nunca pode ser considerado um ser acabado, pronto. Somos o devir, um constante vir-a-ser ou a eterna busca pelo que há de singular em nós.

Para encerrar, ficam duas frases de autores modernos que servem para medir, acredito, nossa relação, ainda forte, com as concepções alquímicas e sua proposta de constante mutação, segredo e mistério.

Dentro de nós existe uma coisa que não tem nome, esta coisa é o que somos” (José Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira)

O senhor… mire, veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam, verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra montão.“ (Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas)

Pax tecum amicis,

Até a próxima.

PS: Na imagem do post, retirada de um dos afrescos (ou painéis) da Catedral de Siena, temos Hermes Trismegistrus e seu mais famoso texto alquímico, a “Tábua Esmeralda”.

sexta-feira, 6 de março de 2009

O “GRUPO VERDE” DE CATAGUASES

"Eu fazia cinema, os verdes faziam literatura".
(Humberto Mauro).


"Somos novos. E viemos (sic) pregar as
as idéias novas da Nova Arte.
E só.


E está acabado.
E não precisa mais.
Abrasileirar o Brasil - é o nosso risco.
Pra isso é que a VERDE nasceu.
Por isso é que a VERDE vai viver.
E por isso , ainda, é que a VERDE vai morrer." (VERDE, nº 1, p. 01)


Um dos mais significativos movimentos poéticos do período modernista brasileiro surgiu, misteriosa e silenciosamente, em Cataguases, município da Zona da Mata mineira, na primavera de 1927. Composto por jovens poetas, dentre os quais se destacaram nacionalmente Enrique de Resende e Ascânio Lopez, “Os Verdes”, como se denominavam, por uma conjunção inesperada de fatores, alcançaram altitudes poéticas que somente os grupos de raízes cosmopolitas conseguiram vislumbrar.

O Grupo Verde de Cataguases, não encontra similar em nenhuma cidade interiorana brasileira, e aí reside seu mistério. A miraculosa concatenação de fatores que causou a existência de um grupo poético de vertente modernista nunca pequena cidade do interior, mostrou-se única e, até hoje, irrepetível. E daí provêm o seu silêncio histórico. Por não encontrar similar em nossa história, este movimento interiorano, semi-bucólico, não atingiu os ecos que merecia nos altares de nossa literatura. revista verde

Para se ter idéia da potência criativa do Grupo Verde, seu órgão divulgador,um periódico conhecido como “Revista Verde”, chegou a alcançar seis extensos volumes, muito bem trabalhados por sinal. Logo no primeiro volume do Verde encontra-se aquele que é o marco lógico-fundamental do movimento, o singular “Manifesto Verde do Grupo Verde”, no qual encontram-se as bases teóricas que compõem a natureza do movimento. Mediante a impossibilidade de transcrever todo o manifesto, dada sua extensão (basta clicar no link acima para ver o facsimile do manifesto), transcreverei aqui, apenas a parte do documento intitulada como “resumindo”, ou seja, um breve resumo da obra e proposta do do Grupo Verde. Segue a transcrição do trecho:


“RESUMINDO
1.º Trabalhamos independentemente de qualquer outro grupo literário.
2.º Temos perfeitamente focalizada a linha divisória que nos separa dos demais modernistas brasileiros e estrangeiros.
3.º Nossos processos literários são perfeitamente definidos.
4.º Somos objetivistas, embora diversíssimos uns dos outros.
5.º Não temos ligação de espécie nenhuma com o estilo e o modo literário de outras rodas.
6.º Queremos deixar bem frisada a nossa independência no sentido “escolástico”.
7.º Não damos a mínima importância à crítica dos que não nos compreendem”.

Cataguases/1927


Assinaram o manifesto os poetas: Enrique de Resende, Ascânio Lopes, Rosário Fusco, Guilhermino César, Fonte Boa, Martins Mendes, Oswaldo Abritta, Camilo Soares, Francisco I. Peixoto.

Um poema de Enrique de Resende, maior expoente do grupo:

Da Felicidade
Estes tratados de
filosofia
Hão de pouco valer-te, meu amigo.

Enganador é o
mundo... Na verdade,
Feliz é o que, semeando o próprio trigo,
Confia no
ouro de futuras messes.
Na vã procura da felicidade,
Constrói, tu
próprio, um a filosofia
Diferentes das outras que conheces....

Fica o convite: conheçam os Verdes mais de perto! Se a poesia e o pensamento deles podem hoje soar como antiquados, mirem-se na atitude inovadora que eles tiveram em sua época. Eles mostraram que de uma pequena cidade do interior é possível participar das grandes revoluções mundiais, o mesmo tempo que é possível dar vazão as revoluções que estão nos seus sonhos.

Pax tecum amicis,
Até a próxima.

domingo, 1 de março de 2009

CHOPIN É A MINHA CACHAÇA

Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua cachaça.
(Carlos Drummond de Andrade)

É inevitável, as noites de domingo sempre me conduzem à inebriante melancolia de Frédéric François Chopin. Desconfio que Chopin é a minha cachaça. Esse polonês do séc. XIX compôs algumas das mais belas peças para piano de todas as épocas, sendo elevado ao Panteão da música universal com o título de “poeta do piano”. Num momento inspirado pela poesia (tinha como poeta preferido seu conterrâneo Adam Mickievicz), noutro inspirando várias gerações de poetas. Os prelúdios e noturnos de Chopin tornaram-se, ao longo dos séculos, a trilha sonora mais perfeita para os momentos de romantismo dos quais nenhum de nós consegue escapar.

Mais do que qualquer palavra, vale ouvir um pouco do gênio Chopin (aqui apresentado por outro gênio, o pianista russo
Sergei Rachmaninoff):


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Pax tecum amicis,
Até Breve...

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

A "MONTANHA VIVA" DE HENRIQUETA LISBOA

“Não haverá, em nosso acervo poético, instantes
mais altos do que os atingidos por
este tímido e esquivo poeta.”
(Carlos Drummond de Andrade,
em crônica acerca da obra de Henriqueta)
Hoje visitaremos, Henriqueta Lisboa, poeta de lírica irretocácel, tantas vezes esquecida pelas antologias nacionais. Ela não se dedicava a cantar os grandes fatos, sua poesia ganhava forma por meio da observação dos detalhes do mundo. Em breves estrofes de miraculosa beleza ela metamorfoseava em poesia os menores seres, as pequeníssimas coisas ou os segredos de um instante. O mínimo elevado ao máximo de sua potência, eis a segredosa herança de Henriqueta.

Muitos d
os livros de Henriqueta alcançaram largo reconhecimento, tendo sido traduzidos para vários idiomas em todos os continentes. Talvez Henriqueta esteja longe de ser "obscura", enquanto poeta. Porém, entre os livros aos quais ela deu vida, alguns ainda encontram-se no limbo do não-reconhecimento literário. Dentre eles, destacaremos aqui aquela que talvez seja sua maior criação artística: "Montanha Viva - Caraça" (1959). Depois de uma temporada na famigerada "Serra do Caraça", cuja fama e história se confundem com a própria formação do espírito mineiro do século XIX, nossa poeta deu vida à Serra, cantando seus silêncios e solidões em versos de rara beleza.


Cada detalhe da Serra, que no passar dos séculos viveu muitas e intensas vocações (colégio, hospedaria, centro de peregrinações religiosas, espaço de pesquisa, seminário, parque natural), foi poetizado com magnífica destreza. Assim, o sino já não era mais somente um instrumento de alerta, mas "o fiel coração do santo Irmão"; nem ao menos a camélia seria doravante um simples flor, mas alcançaria a alcunha de "círculo em que se encontram os corações". Equanto esteve no caraça, Henriqueta fez de quase tudo motivo para sua poesia lírico-minimalista, principalmente aquilo que sempre escapa à nossa vista tão cansada por olhar com mais frequência o grosso e o bruto do mundo. A Serra do Caraça, sempre bela e imponente, pôde descobrir a partir da publicação de "Montanha Viva" uma nova vocação em sua vasta história, a vocação para beleza dos menores detalhes.

Para encerrar um poema do Montanha Viva, cuja inspiração de Henriqueta emergiu da contemplação de uma "pedra em forma de gente".



Solidão

Um homem na solidão
- que perene solilóquio! -
fala profundo a si próprio.
Fala a Deus em termos claros
a fluírem das mesmas águas
pela eternidade em curso.
Fala com tremor na voz
para que relvas e musgos
a palavra testemunhem.
Fala com os ventos diversos
para que a mensagem levem
aos ouvidos do horizonte.
Fala com o penhor das rochas
para que as estrelas o ouçam
desde a pedra em que se assenta:
"Da pedra de solidão
hei de levantar um templo".


Pax tecum amicis.
Até Breve.